domingo, 8 de março de 2015

A fonoaudiologia numa visão Transdisciplinar - Odontologia e Fonoaudiologia


A fonoaudiologia numa visão Transdisciplinar
                                    Fga: Regina Donnamaria Morais

            A fonoaudiologia, uma das áreas da reabilitação e habilitação, vem demonstrando sua importância no tratamento das incapacidades como uma forma de intervenção não só terciária, mas também secundária e até mesmo primária em muitos casos. Atuando ao mesmo tempo nas áreas dos distúrbios auditivos, fala, linguagem e comunicação, tem se apoiado em muitas pesquisas e publicações da Neurologia, Psiquiatria, Psicologia  Fonoaudiológica, bem como da Odontologia, como base para a criação de técnicas de aprimoramento dos conhecimentos sobre os processos normais de desenvolvimento anatômico, neurológico, fisiológico, emocional e comportamental do homem.
O objetivo da fonoaudiologia foi e sempre será a comunicação, meio pelo qual o sujeito estabelece uma interação com o ambiente com vistas à transmissão de conteúdo, num processo que depende da existência de um interlocutor e de uma linguagem comum entre ambos.
Para a efetiva comunicação, vários elementos fazem parte deste processo de transmissão de mensagem com conteúdo, seja ele verbal ou não verbal. Entre eles, as estruturas rígidas ( ossos) e as estruturas moles ( músculos) do corpo e principalmente da região oral sem desconsiderar a integridade do sistema nervoso central.
A região oral apresenta um grande número de músculos de diferentes tamanhos, com funções motoras específicas, os quais, de forma associada e sincronizada, auxiliam uma determinada função.
As funções orais de nutrição, respiração, mímica facial e fala articulada são de competência de disciplinas a fins como a odontologia e fonoaudiologia por se tratarem de funções correlatas que envolvem as mesmas estruturas.

Vários conceitos terapêuticos direcionam as práticas fonoaudiológicas e entre eles o conceito neuroevolutivo Bobath, desenvolvido por Karl e Berta Bobath que  prioriza o aprendizado de movimento voluntário, propiciando reações de endireitamento e de equilíbrio para a ideal postura biomecânica estática e dinâmica. Para tal, preconiza se a adequada postura com alinhamento biomecânico para a função motora coordenada.

Sob esta perspectiva Bobath, a terapia fonoaudiológica se alicerça na visão do desenvolvimento motor global (postura, movimento e equilíbrio), partindo do entendimento de que as ações motoras orais se desenvolvem  do padrão global para específico e  dissociado, das atividades motoras reflexas para atividades voluntárias  nos estímulos do meio ambiente. Os aspectos ambientais englobam não só os estímulos naturais de interação entre a díade mãe e filho, como também os instrumentos utilizados para as experiência sensório motora, incluindo instrumentos utilizados para a nutrição como seio materno, mamadeiras, colheres, copos e outros como chupetas.  



Primeira fase: primeiro trimestre ( primeiro, segundo e terceiro meses)

A função de nutrição é precursora para o crescimento e desenvolvimento das estruturas orais e de pontos de articulação para a fala. As funções de aleitamento materno é a primeira função nutritiva que estimula os músculos para o estimulo de crescimento do osso mandibular que no bebê é menor em relação a maxila. Nesta fase de crescimento a língua e todos os elementos intra orais apresentam postura e movimentos específicos que facilitam a ordenha e, o alimento propício é de consistência líquida. Nesta fase também a postura e os movimentos globais não peculiares. O bebê apresenta um plano de movimento e postura fisiológica flexora. A importância de conhecer estas características do bebê recém nascido facilita a avaliação inicial sobre a eficiência desta função. Contrariamente ao aleitamento materno, o uso de mamadeiras não estimula os mesmos grupos musculares enfatizando o músculo mentoniano e bucinador, no lugar dos músculos masseter e temporal entre outros.
O processo de amamentação é a atividade muscular mais funcional que prepara o sistema estomatognático para funções mais específicas ao longo da vida de desenvolvimento. É o único período onde as articulações tempo mandibulares ( ATM) são estimuladas simultaneamente por meio dos movimentos de avanço e retrocesso da mandíbula, estimulando os ligamentos retromeniscais, aumentando o aporte sanguíneo na área e consequentemente, sinalizando as células para a multiplicação óssea.
Além dos músculos citados a ativação  do músculo quadrado do lábio superior e orbicular dos lábios, em associação com os coxins de gorduras das bochechas, asseguram mais aproximação ao redor da aréola e maior encaixe e obliteração aos espaços entre cada um dos lados da língua durante a ordenha.
Outra importante evidência neste processo de estimulação das atividades musculares e nutricionais é a respiração nasal exclusiva.

Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:

Nesta fase do desenvolvimento infantil, a fonoaudiologia pode detectar sinais de desvio desta função afim de que ela possa ser duradoura, adequada e promova o crescimento e desenvolvimento esperado.
A avaliação deve observar a presença de postura flexora fisiológica do bebê, predomínio de respiração nasal e um boa pega no seio materno com efetiva ordenha. Além destes itens, neste momento, a presença de frênulo curto de língua é um  item a ser avaliado por dificultar a ordenha. No entanto, existe alguns frênulos de língua que não são curtos o suficientes para impedir a função. O frênulo curto que impede o desenvolvimento da alimentação é aquele com muito pouco elasticidade e  que bifurca a língua em sua posição anterior. Neste caso, orienta se a cirurgia para facilitar a relação mãe bebê e a nutrição, além de estimular os músculos e a multiplicação das células ósseas.

Segunda fase: segundo trimestre ( quarto, quinto e sexto meses)

Com o nivelamento das estruturas ósseas ( mandíbula e maxila) ocorre um aumento vertical do espaço oral, que facilita a variação entre a respiração oral e nasal. Este espaço vertical possibilita a modificação tanto da postura como do movimento da língua, permitindo o contato de lábio superior com o inferior. Associado a este crescimento oral, na fase entre 3 e 4 meses de idade, o bebê  diminuir muito a sua postura flexora fisiológica por inicio da extensão cervical e equilíbrio de cabeça. O equilíbrio de cabeça e de cintura escapular propicia uma alteração na caixa torácica, modificando a amplitude respiratória e facilitando uma sucção mais prolongada e produções sonoras mais intensas em volume e em intensidade.
O desenvolvimento motor desta fase é caracterizada por muitos movimentos e simetria de membros superiores que facilitam o agarrar de objetos, com as mãos, e leva-los a boca. Nesta atitude interativa, o bebê diminui muito as reações de vômito no segundo terço da língua e aumenta a receptividade aos estímulos entro da boca. Em associação, a língua pode tocar a placa palatina livremente.  
Com estas facilidades motoras, o bebê pode permanecer em supino e o palato mole ser impulsionado em direção ao espaço velo faríngeo que com a presença de ar, facilita a emissão de sons guturais.

Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:

A observação fonoaudiológica tem por objetivo avaliar o desenvolvimento ósseo e funcional, a função velo faríngea, as emissões orais e nasais, o contato bilabial e a elevação intermitente da língua em papilas anteriores. Em relação aos sons, avaliar a presença de emissões sonoras guturais e muito mais do que a produção sonora, observar postura dos órgão fonoarticulatórios em repouso e movimento.

Terceira fase:  terceiro trimestre (sétimo, oitavo e nono meses)

Nesta fase, o novo plano de movimento (plano rotacional) permite que o bebê possa fazer mudanças posturais de prono para supino e permanecer sentar com apoio.
O equilíbrio de cabeça esta bem mais estabelecido, apesar de não ser capaz de mover mais do que 180º em busca de um estímulo, tanto auditivo quanto visual. O bebê inicia sua reação de proteção na postura sentado, utilizando extensão do tronco superior e médio e apoio de mãos na superfície tanto anterior como em lateral.
A postura em equilíbrio mesmo que assistida confere ao tronco maior expansão durante a inspiração e recrutamento de músculos abdominais para a expiração de forma a aumentar proporcionalmente a capacidade respiratória.
Esta variabilidade de mudanças posturais reflete em apoios e movimentos da mandíbula, língua, músculos e palato mole. Com esta expansão de experiência sensório motora, o equilíbrio cada vez mais refinado, se torna visível movimentos dissociados intra orais. O grande elemento que possibilita esta dissociação, além do motor global, é a ATM que, uma vez mais estável, permiti ao bebê abrir a boca e permanecer aberta  para recepcionar um alimento ou um utensílio, sem a projeção da língua em movimento ântero posterior.
Esta dissociação com estabilidade pode ser comprovada nas emissões sonoras línguo palatais, bilabiais, guturais e fricativas onde a língua livremente se apoia em distintas regiões da boca de forma isolada e mais dissociada para os pontos articulatórios.
Comumente nesta fase, podemos observar que o bebê tem um outro in put sensorial, agora em rebordo gengival. Mesmo que não se evidencie a erupção de peças dentárias, o bebê se comporta como se os tivessem. Este comportamento de morder objetos pode se estender a atividade de segurar alimentos e mordê-los.
A mandíbula pode executar mobilidades verticais e laterais em busca do estimulo,  mas ainda não é capaz de morder e mastigar com movimentos rotacionais. Nesta atividade, após a quebra o alimento em contato com a saliva, ele se transforma em pastoso e é facilmente deglutido.
A variabilidade motora global, respiratória e motora oral, permite ao bebê, a partir de 6 meses, emitir sons variados com pontos articulatórios distintos e combinações aleatórias, sem contudo formar uma palavra com significado. Porém, a relação com o meio inicia a significação destes sons, que futuramente serão utilizados,  voluntariamente, uma vez reconhecidos pelo sistema nervoso central. Eis aqui, o papel do meio ambiente estimulador.

Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:

Muitos sinais podem ser observados na entrada desta fase entre eles: movimentos amplos e dissociados no motor global e oral. A pratica de tomar objetos e levar a boca, maior presença de mordida do que de sucção, respiração de maior amplitude, postura e mobilidade de órgão fono articulatórios e emissões sonoras em distintos pontos articulatórios.

Quarta fase: (nono, décimo e décimo primeiros meses)

Ao redor de 9 meses o bebê pode apresenta as rações de proteção para trás. As posições de quatro ( engatinhar) e as passagens para ficar em pé são fundamentais para o desenvolvimento de maior equilíbrio bem como para variação de movimentos da língua dentro da boca, com maior intensidade na elevação contra o palato duro, e lateralização da mandíbula para a mordida e futura mastigação. A partir desta fase as atividades e funções se tornam cada vez mais complexas e variadas em dissociação o que confere maior mobilidade de tronco e de respiração e consequentemente variação em pontos articulatório, facilmente comprovados pela diversidade de sons e palavras.
A alimentação se torna variada quanto ao uso de utensílios como: colher, copo e variada quanto a consistência do alimentos: liquido, pastoso e sólidos. Para os sólidos a criança pode deslocá-lo de forma alternada dentro da boca,  tanto para a direita como para a esquerda, mesmo na ausência do primeiro molar ( 14ºmes).

As sequencias articulatória podem apresentar sons bilabiais, guturais línguo palatais, fricativas e sibilantes em associação com as vogais como por exemplo: au!, um papa, ama ma, mama papa, nenê, nana, tata, bobó, abó, caca, queé, nãnãnã etc. Movimentos dissociados de elementos intra orais para a produção de sons representativos: vibração de lábios, estalo de língua e estalo de lábios ( beijo).

Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica

As observações nesta fase devem seguir  protocolos lúdico para que a postura, mobilidade e produção de sons possam ser os mais espontâneos possíveis.
Por meio de uma atividade de alimentação, observar a postura adotada, tônus postural, posição de cabeça e tronco, bem como os instrumentos utilizados na oferta do alimento.  A consistência alimentar  oferecida é importante tanto quanto o histórico evolutivo físico, orgânico e nutricional.

A partir desta fase de desenvolvimento os elementos vão se combinando em complexidade nos aspectos motor global, oral, respiratório, receptivo, emissivo e linguístico, porém o histórico pode nos possibilitar diagnosticar qual fase do desenvolvimento da função permaneceu estagnada e porque.

As fases especificadas neste trabalho didático nos servem para pontuar marcos importantes do desenvolvimento, porém estes marcos podem sofrer variações de um mês ao outro e podem significar normalidades.
O trabalho conjunto entre a odontologia e a fonoaudiologia também deve levar em conta estas variações, bem como estabelecer prioridades no atendimento terapêutico. Músculos e ossos crescem e se desenvolvem em conjunto e muitas vezes um músculo pouco ativo pode contribuir para uma alteração no crescimento ósseo ou uma alteração óssea  pode proporcionar uma inativação muscular.
De base nos conhecimentos afins, os profissionais podem eleger prioridades e sequencias de tratamento para um desempenho motor mais funcionais.
Lembrando que os limites entre as disciplinas se interceptam mas não se anulam em uma visão Transdisciplinar.

SÃO PAULO, 8 DE MARÇO DE 2015