A
fonoaudiologia numa visão Transdisciplinar
Fga: Regina Donnamaria Morais
A fonoaudiologia, uma das áreas da
reabilitação e habilitação, vem demonstrando sua importância no tratamento das
incapacidades como uma forma de intervenção não só terciária, mas também
secundária e até mesmo primária em muitos casos. Atuando ao mesmo tempo nas
áreas dos distúrbios auditivos, fala, linguagem e comunicação, tem se apoiado
em muitas pesquisas e publicações da Neurologia, Psiquiatria, Psicologia Fonoaudiológica, bem como da Odontologia,
como base para a criação de técnicas de aprimoramento dos conhecimentos sobre
os processos normais de desenvolvimento anatômico, neurológico, fisiológico,
emocional e comportamental do homem.
O objetivo da
fonoaudiologia foi e sempre será a comunicação, meio pelo qual o sujeito
estabelece uma interação com o ambiente com vistas à transmissão de conteúdo,
num processo que depende da existência de um interlocutor e de uma linguagem
comum entre ambos.
Para a efetiva
comunicação, vários elementos fazem parte deste processo de transmissão de
mensagem com conteúdo, seja ele verbal ou não verbal. Entre eles, as estruturas
rígidas ( ossos) e as estruturas moles ( músculos) do corpo e principalmente da
região oral sem desconsiderar a integridade do sistema nervoso central.
A região oral
apresenta um grande número de músculos de diferentes tamanhos, com funções
motoras específicas, os quais, de forma associada e sincronizada, auxiliam uma
determinada função.
As funções orais
de nutrição, respiração, mímica facial e fala articulada são de competência de
disciplinas a fins como a odontologia e fonoaudiologia por se tratarem de
funções correlatas que envolvem as mesmas estruturas.
Vários conceitos
terapêuticos direcionam as práticas fonoaudiológicas e entre eles o conceito
neuroevolutivo Bobath, desenvolvido por Karl e Berta Bobath que prioriza o aprendizado de movimento
voluntário, propiciando reações de endireitamento e de equilíbrio para a ideal
postura biomecânica estática e dinâmica. Para tal, preconiza se a adequada
postura com alinhamento biomecânico para a função motora coordenada.
Sob esta
perspectiva Bobath, a terapia fonoaudiológica se alicerça na visão do
desenvolvimento motor global (postura, movimento e equilíbrio), partindo do entendimento
de que as ações motoras orais se desenvolvem
do padrão global para específico e
dissociado, das atividades motoras reflexas para atividades voluntárias nos estímulos do meio ambiente. Os aspectos
ambientais englobam não só os estímulos naturais de interação entre a díade mãe
e filho, como também os instrumentos utilizados para as experiência sensório
motora, incluindo instrumentos utilizados para a nutrição como seio materno,
mamadeiras, colheres, copos e outros como chupetas.
Primeira fase: primeiro trimestre (
primeiro, segundo e terceiro meses)
A função de
nutrição é precursora para o crescimento e desenvolvimento das estruturas orais
e de pontos de articulação para a fala. As funções de aleitamento materno é a
primeira função nutritiva que estimula os músculos para o estimulo de
crescimento do osso mandibular que no bebê é menor em relação a maxila. Nesta
fase de crescimento a língua e todos os elementos intra orais apresentam
postura e movimentos específicos que facilitam a ordenha e, o alimento propício
é de consistência líquida. Nesta fase também a postura e os movimentos globais
não peculiares. O bebê apresenta um plano de movimento e postura fisiológica flexora.
A importância de conhecer estas características do bebê recém nascido facilita
a avaliação inicial sobre a eficiência desta função. Contrariamente ao
aleitamento materno, o uso de mamadeiras não estimula os mesmos grupos
musculares enfatizando o músculo mentoniano e bucinador, no lugar dos músculos
masseter e temporal entre outros.
O processo de amamentação é a atividade
muscular mais funcional que prepara o sistema estomatognático para funções mais
específicas ao longo da vida de desenvolvimento. É o único período onde as
articulações tempo mandibulares ( ATM) são estimuladas simultaneamente por meio
dos movimentos de avanço e retrocesso da mandíbula, estimulando os ligamentos
retromeniscais, aumentando o aporte sanguíneo na área e consequentemente,
sinalizando as células para a multiplicação óssea.
Além dos músculos citados a
ativação do músculo quadrado do lábio
superior e orbicular dos lábios, em associação com os coxins de gorduras das
bochechas, asseguram mais aproximação ao redor da aréola e maior encaixe e
obliteração aos espaços entre cada um dos lados da língua durante a ordenha.
Outra importante evidência neste processo de
estimulação das atividades musculares e nutricionais é a respiração nasal
exclusiva.
Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:
Nesta fase do desenvolvimento infantil, a
fonoaudiologia pode detectar sinais de desvio desta função afim de que ela
possa ser duradoura, adequada e promova o crescimento e desenvolvimento esperado.
A avaliação deve observar a presença de postura
flexora fisiológica do bebê, predomínio de respiração nasal e um boa pega no
seio materno com efetiva ordenha. Além destes itens, neste momento, a presença
de frênulo curto de língua é um item a
ser avaliado por dificultar a ordenha. No entanto, existe alguns frênulos de
língua que não são curtos o suficientes para impedir a função. O frênulo curto
que impede o desenvolvimento da alimentação é aquele com muito pouco
elasticidade e que bifurca a língua em
sua posição anterior.
Neste caso, orienta se a cirurgia para facilitar a relação mãe bebê e a
nutrição, além de estimular os músculos e a multiplicação das células ósseas.
Segunda fase: segundo trimestre
( quarto, quinto e sexto meses)
Com o nivelamento
das estruturas ósseas ( mandíbula e maxila) ocorre um aumento vertical do espaço
oral, que facilita a variação entre a respiração oral e nasal. Este espaço
vertical possibilita a modificação tanto da postura como do movimento da língua,
permitindo o contato de lábio superior com o inferior. Associado a este
crescimento oral, na fase entre 3 e 4 meses de idade, o bebê diminuir muito a sua postura flexora
fisiológica por inicio da extensão cervical e equilíbrio de cabeça. O
equilíbrio de cabeça e de cintura escapular propicia uma alteração na caixa
torácica, modificando a amplitude respiratória e facilitando uma sucção mais
prolongada e produções sonoras mais intensas em volume e em intensidade.
O desenvolvimento
motor desta fase é caracterizada por muitos movimentos e simetria de membros
superiores que facilitam o agarrar de objetos, com as mãos, e leva-los a boca.
Nesta atitude interativa, o bebê diminui muito as reações de vômito no segundo
terço da língua e aumenta a receptividade aos estímulos entro da boca. Em
associação, a língua pode tocar a placa palatina livremente.
Com estas
facilidades motoras, o bebê pode permanecer em supino e o palato mole ser
impulsionado em direção ao espaço velo faríngeo que com a presença de ar,
facilita a emissão de sons guturais.
Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:
A observação
fonoaudiológica tem por objetivo avaliar o desenvolvimento ósseo e funcional, a
função velo faríngea, as emissões orais e nasais, o contato bilabial e a
elevação intermitente da língua em papilas anteriores. Em relação aos sons, avaliar
a presença de emissões sonoras guturais e muito mais do que a produção sonora,
observar postura dos órgão fonoarticulatórios em repouso e movimento.
Terceira fase: terceiro trimestre (sétimo, oitavo e nono
meses)
Nesta fase, o
novo plano de movimento (plano rotacional) permite que o bebê possa fazer
mudanças posturais de prono para supino e permanecer sentar com apoio.
O equilíbrio de
cabeça esta bem mais estabelecido, apesar de não ser capaz de mover mais do que
180º em busca de um estímulo, tanto auditivo quanto visual. O bebê inicia sua
reação de proteção na postura sentado, utilizando extensão do tronco superior e
médio e apoio de mãos na superfície tanto anterior como em lateral.
A postura em
equilíbrio mesmo que assistida confere ao tronco maior expansão durante a
inspiração e recrutamento de músculos abdominais para a expiração de forma a
aumentar proporcionalmente a capacidade respiratória.
Esta
variabilidade de mudanças posturais reflete em apoios e movimentos da
mandíbula, língua, músculos e palato mole. Com esta expansão de experiência
sensório motora, o equilíbrio cada vez mais refinado, se torna visível movimentos
dissociados intra orais. O grande elemento que possibilita esta dissociação,
além do motor global, é a ATM que, uma vez mais estável, permiti ao bebê abrir
a boca e permanecer aberta para recepcionar
um alimento ou um utensílio, sem a projeção da língua em movimento ântero
posterior.
Esta dissociação
com estabilidade pode ser comprovada nas emissões sonoras línguo palatais, bilabiais,
guturais e fricativas onde a língua livremente se apoia em distintas regiões da
boca de forma isolada e mais dissociada para os pontos articulatórios.
Comumente nesta
fase, podemos observar que o bebê tem um outro in put sensorial, agora em rebordo
gengival. Mesmo que não se evidencie a erupção de peças dentárias, o bebê se
comporta como se os tivessem. Este comportamento de morder objetos pode se
estender a atividade de segurar alimentos e mordê-los.
A mandíbula pode
executar mobilidades verticais e laterais em busca do estimulo, mas ainda não é capaz de morder e mastigar
com movimentos rotacionais. Nesta atividade, após a quebra o alimento em
contato com a saliva, ele se transforma em pastoso e é facilmente deglutido.
A variabilidade
motora global, respiratória e motora oral, permite ao bebê, a partir de 6
meses, emitir sons variados com pontos articulatórios distintos e combinações
aleatórias, sem contudo formar uma palavra com significado. Porém, a relação
com o meio inicia a significação destes sons, que futuramente serão
utilizados, voluntariamente, uma vez
reconhecidos pelo sistema nervoso central. Eis aqui, o papel do meio ambiente
estimulador.
Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica:
Muitos sinais podem ser observados na entrada
desta fase entre eles: movimentos amplos e dissociados no motor global e oral.
A pratica de tomar objetos e levar a boca, maior presença de mordida do que de
sucção, respiração de maior amplitude, postura e mobilidade de órgão fono
articulatórios e emissões sonoras em distintos pontos articulatórios.
Quarta fase: (nono, décimo e décimo primeiros
meses)
Ao redor de 9 meses o bebê pode apresenta as
rações de proteção para trás. As posições de quatro ( engatinhar) e as
passagens para ficar em pé são fundamentais para o desenvolvimento de maior
equilíbrio bem como para variação de movimentos da língua dentro da boca, com
maior intensidade na elevação contra o palato duro, e lateralização da
mandíbula para a mordida e futura mastigação. A partir desta fase as atividades
e funções se tornam cada vez mais complexas e variadas em dissociação o que
confere maior mobilidade de tronco e de respiração e consequentemente variação em
pontos articulatório, facilmente comprovados pela diversidade de sons e
palavras.
A alimentação se torna variada quanto ao uso de
utensílios como: colher, copo e variada quanto a consistência do alimentos: liquido,
pastoso e sólidos. Para os sólidos a criança pode deslocá-lo de forma alternada
dentro da boca, tanto para a direita
como para a esquerda, mesmo na ausência do primeiro molar ( 14ºmes).
As sequencias articulatória podem apresentar
sons bilabiais, guturais línguo palatais, fricativas e sibilantes em associação
com as vogais como por exemplo: au!, um papa, ama ma, mama papa, nenê, nana, tata,
bobó, abó, caca, queé, nãnãnã etc. Movimentos dissociados de elementos intra
orais para a produção de sons representativos: vibração de lábios, estalo de
língua e estalo de lábios ( beijo).
Tópicos de Avaliação Fonoaudiológica
As observações nesta fase devem seguir protocolos lúdico para que a postura,
mobilidade e produção de sons possam ser os mais espontâneos possíveis.
Por meio de uma atividade de alimentação, observar
a postura adotada, tônus postural, posição de cabeça e tronco, bem como os
instrumentos utilizados na oferta do alimento.
A consistência alimentar
oferecida é importante tanto quanto o histórico evolutivo físico,
orgânico e nutricional.
A partir desta fase de desenvolvimento os
elementos vão se combinando em complexidade nos aspectos motor global, oral,
respiratório, receptivo, emissivo e linguístico, porém o histórico pode nos
possibilitar diagnosticar qual fase do desenvolvimento da função permaneceu
estagnada e porque.
As fases especificadas neste trabalho didático
nos servem para pontuar marcos importantes do desenvolvimento, porém estes
marcos podem sofrer variações de um mês ao outro e podem significar
normalidades.
O trabalho conjunto entre a odontologia e a
fonoaudiologia também deve levar em conta estas variações, bem como estabelecer
prioridades no atendimento terapêutico. Músculos e ossos crescem e se
desenvolvem em conjunto e muitas vezes um músculo pouco ativo pode contribuir
para uma alteração no crescimento ósseo ou uma alteração óssea pode proporcionar uma inativação muscular.
De base nos conhecimentos afins, os
profissionais podem eleger prioridades e sequencias de tratamento para um
desempenho motor mais funcionais.
Lembrando que os limites entre as disciplinas
se interceptam mas não se anulam em uma visão Transdisciplinar.
SÃO PAULO, 8 DE MARÇO DE 2015